segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Uma Questão de Pretexto

Já prorrogava em algum tempo a necessidade de criar um blog. Várias idéias de textos e assuntos  me ocorriam, mas na que me animasse o suficiente pra ter esse trabalho todo. Já tive outros blogs, com outros propósitos, mas ja há um ano andava parada com relação a isso.
Estudantes defendem uma universidade
distinta e não ''fumar maconha em paz''. Só ver
o que está escrito.
No último dia 27, no entanto, se o que aconteceu com a invasão da Polícia Militar à FFLCH, entrando nos corredores dos prédios, jogando bombas, ferindo estudantes - sim, ao contrário do que divulga essa, com o perdão da ironia, tão idônea instituição - houveram muitos de nós feridos, não me motivasse a abrir um espaço na net pra dizer algumas palavras por fora do cerco ideológico que a imprensa tem feito, de fato, pensar em ter um blog não serviria de nada.

O que vou escrever não são pronunciamentos do movimento, embora a gestão do DCE da USP ignore esse fato, quem fala pelo movimento é a comissão de comunicação. Eu estou nela, mas venho aqui colocar algumas palavras bastante pessoais, entendam assim, muito pessoais aliás seriam se não fossem tão inelutavelmente políticas.



Braço de um amigo. A polícia e a imprensa
dizem que não ha estudantes feridos
 A polícia esteve 30 anos fora da Universidade de São Paulo, não esteve no entanto ausente por 30, nem 10, nem por 1 segundo de cada espaço para fora dos muros da USP. Não dormiu, nos últimos 200 anos, uma (m) unica (o) negra (o) pobre sem ter nas costas o fardo de ter sua casa revirada, seus parentes espancados e a pendência de uma acusação qualquer que é tão dinâmica e mutável que é provável que não saibamos elencar todas as razões do genocídio do povo negro que se estenderam pela nossa história.Escravidão, vacina...tráfico de drogas..
A história da polícia no Brasil é a história, necessariamente, da repressão política e do genocídio ao povo negro.
O que tem afinal esses jovens caricatos, iguaizinhos aos do Tropa de Elite, ''que enfrentam a polícia por maconha'', com as centenas assassinadas por ano pela polícia militar que vem, de cara lavada, nos impor a ordem? "Vocês financiam o tráfico'' diria a direita mais caricata e abjeta. Não.

O que temos nós, estudantes da USP, no momento em comum com o genocídio do povo negro é uma questão de pretexto, bastante contraditória.
Uma questão de pretexto, primeiramente porque é dessa mesma razão amplamente difundida para o controle social da população das favelas - as drogas, o crime, a violência - que provem a razão ditada para que se coloque a polícia que reconhecidamente está a serviço do poder estatal dentro de um espaço, ainda que com todas as contradições que carrega, de gravidade para a política no país. Pretexto para impor controle também ao corpo da juventude por uma injustificável proibição da maconha.

O espaço onde centenas de jovens organizados em correntes políticas discutem se querem reforma ou revolução, onde não por acaso se situa um dos únicos sindicatos no país que se coloca consequentemente contra a terceirização e contra o corporativismo do regime sindical brasileiro comandado pelas burocracias governistas e patronais.
Onde mais de 500 processos contra estudantes existem, o PROADE demite funcionários públicos sem justa causa. Onde  a Guarda Universitária agride trabalhadoras terceirizadas na luta por salários e essa mesma guarda assedia moradores do CRUSP, na qual estudantes são presos por ''olhar feio'' para um policial (sim , isso aconteceu).

Nessa mesma USP, onde no início do ano, um estudante negro - Samuel -  morreu por negligência da universidade que lhe recusou uma ambulância, jogado na praça do relógio. Meses depois o que resta dele é o silêncio da USP, da mídia, da opinião pública. Nessa mesma USP morreu Felipe , no estacionamento da FEA, meses depois, o resta dele são unidades móveis, camburões, balas e gás. Sou contra o populismo ingênuo de dizer que a morte de Samuel é mais criminosa que a de Felipe. Felipe também foi assassinado pela USP, pelo elitismo,pelo projeto de educação da burguesia. Pela instituição que fecha suas portas à grande maioria da população, a USP de ruas escuras e desertas, tão desertas porque ninguém que não os filhos da elite, minoritária, tem o direito de freqüentá-las. Criminosa, tão criminosa porque quem empunhou a arma que matou Felipe nunca pode empunhar um livro tal como fizeram os estudantes da FFLCH contra a polícia no dia 27, caso tentasse, mal lhe diria a Fuvest : você não tem mérito, não serve para a universidade.
O problema é que nós, maconheiros terríveis e sindicalistas vagabundos, sabemos disso e agora o que deve ser dito, tal qual querem a reitoria e o governo do estado é : a USP é uma universidade de excelência.
Por uma questão de pretexto, naquele 27 de outubro, quebramos nosso silêncio. Não sei o nome dos estudantes que foram presos com maconha, não os conheço, não fiz, desde aquele dia, qualquer esforço para conhecê-los e sei que posso ser processada por quinta à noite e talvez eu sofra a repressão , podem pensar,  sem saber o nome das pessoas que defendi. Mas eu sei o quem são pessoas que de fato, nós todos defendemos e continuaremos defendendo até o fim.

Quem nós defendemos são todos os nossos colegas que são abordados por olhar feio pra PM e são presos dentro de espaços estudantis, são todos os trabalhadores que estão sendo revistados todos os dias, são os jovens da favela São Remo, do lado da USP, que apanham da polícia por entrar na USP pra empinar pipa. São sim as centenas de assassinados pela PM fora dos muros da universidade, são as mulheres ridicularizadas quando dão queixa de agressão, são os negros barrados nas portas dos bancos,são os jovens mortos com tiro na nuca e de corpo incendiado pela defesa de uma loja, um banco, um shopping. Somos todos nós que seremos reprimidos porque quebramos alguns carros e portas, porque a polícia não serve para nós, para os homens, ela serve para as coisas.
A luta, ao contrário do que diz a imprensa que postou apenas as fotos dos policiais de braços cruzados recebendo cavaletes na cabeça, não é pela maconha na USP. A luta é uma luta decidida contra a Polícia nas ruas da USP, das favelas, do mundo.

Por isso, dizer que é um problema da USP, dos estudantes, da ''ilha'' elitista, é mais que ledo engano, é uma falácia consciente da mesma imprensa que em Abril noticiou a aliança desses mesmos estudantes com as trabalhadoras da limpeza, negras e em grande maioria moradoras da São Remo, contra o projeto privatista de universidade e precarização do trabalho. Fora polícia justamente porque não queremos que a USP seja uma ilha de onde a maior parte da população segue barrada, antes por guaritas de guardas universitários e vigias, agora por camburões.
Na minha opinião, nosso movimento tem o dever de transcender que a nossa ligação com o povo pobre e com os trabalhadores seja uma mera questão de pretexto para repressão, para a calúnia e para a privatização da universidade usado pelo governo e pelo braço armado do estado.